A NÃO INCIDÊNCIA DE IRPJ/CSLL SOBRE CORREÇÃO MONETÁRIA DE APLICAÇÕES FINANCEIRAS

Recentemente, temas tributários de grande repercussão econômica têm ocupado a pauta do Supremo. Um desses temas que vem ganhando bastante destaque – principalmente após a liberação para julgamento pelo ministro Dias Toffoli – diz respeito à incidência do IRPJ e da CSLL sobre os valores recebidos pelo contribuinte em decorrência da aplicação da taxa SELIC sobre o indébito tributário, atualmente objeto do Recurso Extraordinário nº 1.063.187/SC (“RE nº 1.063.187/SC”) cuja repercussão geral foi reconhecida pelo STF.

Assim como a discussão sobre a exclusão do ICMS da base de cálculo do PIS e da COFINS[1], a matéria de fundo do RE nº 1.063.187/SC pode ter múltiplos alcances e influenciar uma série de outros debates na seara tributária. Neste artigo focaremos em uma dessas vertentes, que diz respeito à impossibilidade de cobrança do IRPJ e da CSLL sobre o valor relativo à correção monetária de aplicações financeiras feitas pelos contribuintes.

A relevância do julgamento do RE nº 1.063.187/SC para esse tema decorre, essencialmente, da natureza da taxa SELIC, que compreende, em sua essência, juros de mora e atualização monetária. Ao examinar, portanto, se deve incidir IRPJ e CSLL sobre a parcela do indébito tributário que corresponde à aplicação da SELIC, o Supremo deve concluir, na prática, se é possível tributar valores que correspondem à mera correção monetária do dinheiro.

A nosso ver, a incidência de IRPJ e CSLL sobre a correção monetária em si é uma forma distorcida de tributar o próprio capital investido e não o efetivo rendimento auferido pelo contribuinte passível de tributação, nos termos em que estabelecido constitucionalmente[2].

Segundo o artigo 153, inciso III, da Constituição Federal, a União possui competência para instituir imposto sobre renda e proventos de qualquer natureza. No âmbito infraconstitucional, o artigo 43 do Código Tributário Nacional estabelece como fato gerador do imposto sobre a renda a aquisição de disponibilidade econômica ou jurídica da renda e proventos de qualquer natureza.

Tanto “renda” quanto “proventos de qualquer natureza” têm natureza de riqueza nova, que implica acréscimo ao patrimônio do seu titular. A correção monetária que apenas restabelece a riqueza original do titular não pode se enquadrar nesse conceito.

O objetivo da correção monetária é evitar a corrosão do capital investido pela inflação, fenômeno conhecido no Brasil. Esse fenômeno representa nada mais do que o aumento dos preços de bens e serviços em um determinado período que resulta na diminuição do poder de compra da moeda[3].

Na prática, portanto, a correção monetária serve apenas para recompor o valor da moeda no tempo, não representando um efetivo acréscimo patrimonial para o investidor. A despeito disso, atualmente, o valor pago ao investidor que excede o valor aplicado fica sujeito à retenção[4] do imposto de renda na fonte pelo pagador como se toda a parcela excedente fosse rendimento[5].

Essa medida contradiz, entretanto, não apenas a legislação em vigor, mas também a jurisprudência que tem se consolidado no âmbito do STJ quanto à adequada interpretação do fato gerador do imposto sobre a renda.

Nessa linha, vale mencionar precedente da 1ª Seção do STJ[6] que reconheceu que “a correção monetária não traduz acréscimo patrimonial. Sua aplicação não gera qualquer incremento no capital, mas tão-somente o restaura dos efeitos corrosivos da inflação”. Dessa forma, “não há como fazer incidir, sobre a mera atualização monetária, Imposto de Renda, sob pena de tributar-se o próprio capital”.

O precedente citado no parágrafo anterior é observado e repetido em diversas manifestações das Turmas do STJ[7] e também dos Tribunais Regionais Federais[8], cabendo agora ao STF dar a palavra final sobre a matéria.

Acreditamos que os contribuintes têm bons argumentos para questionar a exclusão dos valores correspondentes à correção monetária da base de cálculo do IRPJ e da CSLL para o futuro, bem como recuperar eventuais valores recolhidos a maior nos últimos 5 anos. Recomenda-se, em razão disso, a propositura de tal medida judicial antes do início do julgamento do tema pelo Supremo haja vista a possibilidade de modulação dos efeitos de decisão a ser proferida nesse julgamento.

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[1] O resultado do julgamento do Recurso Extraordinário nº 574.706/PR representou importante precedente utilizado pelos contribuintes para questionar a exclusão do ISS da base de cálculo do PIS e da COFINS, do ISS e do ICMS da base de cálculo da Contribuição Previdenciária sobre a Receita Bruta e do próprio PIS e COFINS das respectivas bases de cálculo.
[2] Artigo 153, inciso III da Constituição Federal.
[3] O índice atualmente adotado pelos Tribunais para apuração de correção monetária é o Índice Nacional de Preços do Consumidor Amplo – Série Especial (“IPCA-E”).
[4] Artigos 65 e seguintes da Lei nº 8.981/95.
[5] Segundo o artigo 854 do Decreto nº 9.580/18, no caso de pessoas físicas, pessoas jurídicas isentas e pessoas jurídicas optantes do Simples, essa retenção representa tributação definitiva, isto é, o imposto retido não interfere na apuração periódica do imposto de renda. Já no caso das demais pessoas jurídicas submetidas aos regimes do Lucro Real e Lucro Presumido, o imposto retido compõe a apuração periódica do IRPJ. Para a CSLL, cabe ao contribuinte realizar a apuração e recolhimento do imposto devido sobre o ganho auferido.
[6] Embargos de Divergência no Recurso Especial nº 436.302/PR.
[7] Nesse sentido, confira-se AgRg no REsp nº 1.452.725/AL, AgRg no REsp nº 1.344.036/PR, Recurso Especial nº 1.463.524/SP e AgInt no AgInt no REsp nº 1667090/RS.
[8] A título ilustrativo, vale mencionar Apelação Cível nº 0035283-79.2016.4.03.9999/SP (TRF-3), Apelação Cível nº 0004098-41.2012.4.03.6126/SP (TRF-3) e Apelação Cível nº 5040745-07.2018.4.04.7000/PR (TRF-4).

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Por: TÉRCIO CHIAVASSA, Sócio do Pinheiro Neto Advogados e GABRIELA DE SOUZA CONCA, Mestre (LL.M.) em Direito pela Harvard Law School. Especialista em Economia pela Fundação Getúlio Vargas de São Paulo. Bacharel em Direito pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. Advogada associada da área tributária de Pinheiro Neto Advogados.

Fonte: JOTA.