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DÉJÀ VU NO PIS/COFINS X CBS

 

Infelizmente, já assistimos a filme bastante parecido, com resultados no mínimo desanimadores.

No último dia 21 de julho, o governo federal apresentou o que denominou como a primeira dentre várias propostas objetivando “corrigir os problemas” de um “sistema tributário complexo e caro”[1]. Trata-se do PL nº 3887/2020, com o qual se propõe, em apertadíssima síntese, unificar PIS e Cofins, disso resultando a nova Contribuição Social sobre Bens e Serviços (CBS), exigível à alíquota de 12% sobre a receita bruta e com direto a créditos correspondentes ao valor da mesma contribuição destacado nas notas fiscais de aquisição de bens e serviços.

Há, por óbvio, diversos aspectos a serem examinados e debatidos em relação ao PL 3887, o que se espera seja feito com zelo e competência pelo Congresso Nacional, valendo-se do importante auxílio da sociedade civil.

De pronto, contudo, chamou a atenção de todos a significativa alteração das atuais alíquotas somadas de PIS/Cofins, que se propõe sejam majoradas de, salvo exceções, 3,65% (no regime cumulativo) e 9,25% (no regime não cumulativo) para 12%. Justificou-se que a majoração proposta não objetivaria “gerar aumento de arrecadação em relação aos níveis atuais”, mas decorreria de cálculos que “tomaram como premissas a tributação homogênea e o creditamento amplo, além da exclusão dos tributos sobre consumo de sua base de cálculo”[2].

Infelizmente, já assistimos a filme bastante parecido, com resultados no mínimo desanimadores.

A não cumulatividade do PIS e da Cofins foi pleiteada durante anos pelos contribuintes em geral, mas, em várias situações, sua implementação implicou custos até mesmo superiores àqueles suportados na sistemática cumulativa. O “balão de ensaio” ocorreu com o PIS, quando da edição da Medida Provisória nº 66, de 29 de agosto de 2002 (convertida na Lei nº 10.637/2002), que instituiu a sistemática de forma restrita àquela contribuição e apenas para determinadas hipóteses, majorando, contudo, a alíquota a elas aplicável (de 0,65% para 1,65%). No ano seguinte (2003), foi editada a Medida Provisória nº 135, convertida na Lei nº 10.833/2003 e, desta feita, instituindo a sistemática não cumulativa para a Cofins, bem como majorando sua alíquota de 3% para 7,6%.

Tal como na atual proposta, justificou-se, à época, não haver intenção de majoração da carga fiscal, asseverando-se constituir “premissa básica do modelo a manutenção da carga tributária”[3] correspondente ao que então se arrecadava com tais contribuições.

Como se sabe, desde as edições das MPs nº 66 e 135 e respectivas Leis de Conversão nº 10.637/2002 e 10.833/2003, foram introduzidas diversas alterações na legislação e nos atos regulamentares atinentes a ambas as contribuições, em verdadeira colcha de retalhos, com diretrizes cada vez mais complexas e onerosas, incidências monofásicas e plurifásicas, cumulativas e não cumulativas, repletas de exceções das mais diversas. A racionalidade do sistema e a redução da carga imaginadas quando dos pleitos de “modernização” de tais contribuições, infelizmente, não se concretizaram.

Como registram, dentre outros, Luís Eduardo Schoueri e Matheus Cherulli Alcântara Viana, “o sonho se transfigurou em pesadelo”, tendo sido implementada sistemática “ainda mais danosa que o ‘efeito cascata’ que se pretendeu mitigar na origem das discussões”, fazendo com que as contribuições de que se cuida “se tornassem um verdadeiro ‘frankenstein tributário’”[4].

Pois bem. O PL nº 3887/2020, não obstante apresente o percentual de 12% como “alíquota geral da CBS” (artigo 8º), propõe diversas exceções: isenções, incidências monofásicas, alíquota diferenciada de 5,8% para determinadas pessoas jurídicas, vedação à apropriação de créditos em algumas situações, exclusões de base de cálculo etc. A própria Exposição de Motivos do PL 3887 pretende justificar a adoção de “alíquota uniforme de 12%” ou “alíquota positiva única (e alíquota zero aplicada apenas a exportações)” (item 12) para, logo a seguir, mencionar hipóteses de isenção (item 13) e regimes diferenciados (item 14.1).

Ora, por mais apropriadas que possam eventualmente ser tais exceções, não há como afastar o temor de continuarmos no “pesadelo” e lidando com o “frankenstein tributário” referidos por Schoueri e Viana, tudo a contrariar o discurso de simplificação, modernização e redução da litigiosidade.

Não bastassem esses temores, como justificar que, apesar de tantas exceções, setores que sabidamente não terão créditos relevantes em razão de suas peculiaridades (tendo sido, inclusive e por esse motivo, anteriormente mantidos na sistemática cumulativa[5]) não tenham sido por elas abrangidos?

A justificativa de que não serão prejudicados porque esse custo poderá ser recuperado com os respectivos créditos a serem escriturados por seus clientes é por demais simplista. Desconsidera diversos fatores como, dentre outros: a inevitável majoração dos preços praticados, o custo financeiro decorrente do descasamento entre o desembolso e a recuperação do respectivo montante, a impossibilidade de recuperação por não contribuintes e as dificuldades para renegociação do preço para fins de futuros pagamentos atinentes a contratos anteriormente celebrados.

Como se pode cogitar de manutenção da carga fiscal nessas e em diversas outras hipóteses em que a alíquota terá mais do que triplicado (12% = 3,65% x 3,29) sem que se mostre viável uma recuperação minimamente proporcional à majoração?!

A Exposição de Motivos do PL 3887 menciona, ainda, terem sido realizados “cálculos para determinação da alíquota” (item 15). Não poderia ter sido diferente, em especial após mais de dezoito meses de espera. Até o momento, contudo, não se tem conhecimento de que tais cálculos tenham sido disponibilizados.

Impõe-se, assim, amplo acesso a cálculos, estudos e simulações que fundamentem a proposta apresentada, para que possam ser escrutinados e discutidos, inclusive em observância à tão propalada transparência que se pretende assegurar (expressamente referida nos itens 5 e 7 da referida Exposição de Motivos).

Os aspectos ora brevemente comentados, a exemplo de inúmeros que o tema suscita, deverão ser considerados e debatidos na regular tramitação desta e de tantas outras propostas, muitas delas ainda a serem apresentadas. Há, de fato, muito a ser feito para viabilizar a tão aguardada e necessária Reforma Tributária, a demandar alterações relevantes tanto na Constituição Federal quanto na legislação ordinária.

Os diversos ajustes que se fazem necessários por certo acabarão por onerar alguns e desonerar outros, em comparação com suas atuais situações. Espera-se, contudo, que nenhum setor da atividade econômica seja por demais onerado ou mesmo desarrazoadamente desonerado. Se a situação econômica do Brasil assim não permitia antes mesmo da pandemia da Covid-19, agora as consequências de eventual oneração excessiva serão ainda mais catastróficas.

É inadmissível que, novamente – e, pior, envolvendo as mesmas contribuições -, ocorra, na prática, substancial majoração da carga tributária (ainda que apenas para alguns setores), sob a ultrapassada justificativa de que a não cumulatividade “plena” exigiria majoração das alíquotas aplicáveis.

Não incorramos nos mesmos erros do passado; antes, aprendamos com eles.
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[1] Expressões constantes da apresentação em PowerPoint “Reforma Tributária. Quando todos pagam todos pagam menos”, então disponibilizada pelo Ministério da Economia.

[2] Item 15 da Exposição de Motivos apresentada (EM nº 00274/2020 ME, de 17/07/2020).

[3] Itens 4 da Exposição de Motivos da MP 66/2002 e 3 da Exposição de Motivos da MP 135/2003.

[4] O termo “insumos” na legislação das contribuições sociais ao PIS/PASEP e à Cofins: a discussão e os novos contornos jurisprudenciais sobre o tema, em “PIS e Cofins à luz da jurisprudência do Conselho Administrativo de Recursos Fiscais”, Coord. Marcelo Magalhães Peixoto e Gilberto de Castro Moreira Junior. São Paulo: Ed. MP, 2011, pág. 409.

[5] Como os prestadores de serviços sujeitos ao lucro presumido, cujos gastos mais relevantes se concentram na remuneração de empregados e autônomos.
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Por: MÁRIO LUIZ OLIVEIRA DA COSTA, advogado, sócio do escritório Dias de Souza Advogados Associados. Mestre em Direito Econômico e Financeiro pela USP. Conselheiro e diretor da Associação dos Advogados de São Paulo – AASP.

Fonte: JOTA.

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