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VENDA DE IMÓVEL PODE ATRAIR LUCRO PRESUMIDO EM VEZ DE GANHO DE CAPITAL

Cuida-se de discutir o tratamento tributário a ser dado por empresas optantes pelo lucro presumido à venda de imóveis anteriormente destinados a sediar as suas atividades ou à locação/arrendamento. É dizer: se o rendimento daí decorrente deve sempre ser tributado como ganho de capital — incidência das alíquotas de IRPJ e CSLL sobre a diferença entre o preço de venda e o custo de aquisição —, ou se há possibilidade de ser considerado receita bruta, com incidência das alíquotas sobre 8% e 12% do preço de venda, respectivamente (Lei 9.249/95, artigos 15, parágrafo 4º, e 20, inciso III).

Iniciemos pela análise contábil. O Pronunciamento CPC 26 define como ativo circulante, dentre outros, aquele “mantido essencialmente com o propósito de ser negociado”. Quanto ao ativo não circulante, no que ora nos interessa:

Como se vê, um imóvel destinado à locação pode ser tanto ativo imobilizado quanto propriedade para investimento. Segundo a doutrina, a diferença está na intenção pela qual o bem é alugado. Um imóvel locado a empregados em virtude da ubicação remota da empresa é ativo imobilizado, porque contribui para o processo produtivo (sem empregados não há produção). Um imóvel de propriedade de uma indústria alugado a terceiros até que outra destinação lhe seja dada é propriedade para investimento. Nessa mesma categoria enquadram-se os imóveis cuja locação constitui atividade ordinária da empresa – a qual deve classificar no ativo permanente somente aqueles utilizados para fins administrativos[1].

A reclassificação contábil de bens do ativo não circulante para o circulante pode basear-se em três orientações distintas:

  1. i) para “a entidade que, durante as suas atividades operacionais, normalmente vende bens do ativo imobilizado que eram mantidos para aluguel a terceiros”, a transferência para estoque deve ocorrer quando tais ativos “deixam de ser alugados e passam a ser mantidos para venda” (CPC 27, item 68A);
  2. ii) para as entidades em geral, a transferência para estoque ocorrerá quando os ativos não circulantes passarem a satisfazer as condições de classificação como “mantidos para venda”, quais sejam: (i) estarem disponíveis para venda imediata por preço razoável face ao seu valor justo corrente e (ii) serem objeto de um plano firme de venda que, salvo circunstâncias incontroláveis, deva estar concluído em até um ano da reclassificação (CPC 31, itens 3 e 7 a 9);

iii) quanto à propriedade para investimento, cabe a transferência para estoque quando há evidência da efetiva alteração de seu uso – a tanto não bastando a mera alteração das intenções dos gestores a esse respeito. Justifica-a, por exemplo, o “início de desenvolvimento com objetivo de venda” (CPC 28, item 57).

Malgrado o cabimento da reclassificação contábil, a Receita Federal entende que o tratamento fiscal das receitas em questão há de ser sempre o de ganho de capital. Deveras, segundo o artigo 215, parágrafo 14, da Instrução Normativa 1.700/2017, “o ganho de capital nas alienações de ativos não circulantes classificados como investimento, imobilizado ou intangível, ainda que reclassificados para o ativo circulante com a intenção de venda, corresponderá à diferença positiva entre o valor da alienação e o respectivo valor contábil”, posição que foi reiterada na Solução de Consulta Cosit 251/2018.

A nosso ver, regra é ilegal. De fato, ao impor a tributação pelo valor cheio — e não segundo os porcentuais de presunção do lucro – dos ganhos de capital, o artigo 15 da Lei 9.249/95 remete ao artigo 32 da Lei 8.981/95. Esse dispositivo, por sua vez, limita o conceito de ganho de capital à alienação de “bens e direitos classificados como investimentos, imobilizado ou intangível” — o que os imóveis validamente reclassificados para estoque, por suposto, deixaram de ser. Igual delimitação é feita pelo artigo 25, parágrafo 1º, da Lei 9.430/96.

Apesar da clareza dos comandos legais, a jurisprudência do Carf — ainda esparsa sobre o tema — tem sido majoritariamente contrária aos contribuintes. No Acórdão 1302.002.327 (j. 27.07.2017), decidiu-se que a venda de imóveis que não foram construídos ou adquiridos com esse fim é tributada como ganho de capital, “independentemente de a atividade imobiliária também integrar aquele objeto [i.e., o objeto social da empresa] e da reclassificação contábil, efetivada no ano-calendário precedente ao da venda, pela transferência dos bens do ativo permanente para o ativo circulante”.

Tratava-se de imóvel registrado no ativo imobilizado desde 2001, reclassificado para estoque em 2010 e alienado em 2011. Embora o item 68A do CPC 27 tenha sido afastado com acerto, pois não havia prova de que a empresa realizasse sistematicamente a venda de imóveis, a rejeição da tese fundada no CPC 31 decorreu de clara distorção do seu conteúdo. Com efeito, alega-se o descumprimento do prazo de 1 ano do item 8 do CPC 31, dado que a venda efetivou-se 9 (rectius, 10) anos após a aquisição. Ora, tal item cuida do lapso a transcorrer entre a reclassificação e a venda, e não entre a aquisição e a venda.

Segue o voto condutor: “mesmo à luz dos itens 6 ,7 e 8 do CPC 31, o que se observa é que não existe nos autos qualquer documento ou prova que me faça considerar que a empresa teria, desde a sua aquisição, ‘comprometido com o plano de venda do ativo’, tendo, nessa ocasião, ‘iniciado um programa firme para localizar um comprador e concluir o plano’”. O erro é mais uma vez palmar, pois a leitura do item 8 do CPC 31 evidencia que o plano de venda deve coincidir com a reclassificação, e não com a aquisição do ativo a ser negociado.

No Acórdão 1302.002.033 (j. 26.01.2017), o Carf manteve auto de infração lavrado para a exigência de IRPJ e CSLL sobre ganho de capital em operação assemelhada. Três pontos merecem atenção:

  1. a) a afirmação de que não haveria prova da intenção da empresa de vender o imóvel no momento em que procedeu à sua reclassificação contábil. O ponto é relevante e demanda cuidadosa documentação por parte do contribuinte;
  2. b) a afirmação de que a empresa não vendeu outros imóveis antes ou depois da alienação do bem autuado. A exigência, já se viu, importa apenas para os fins do item 68A do CPC 27, mas não para as reclassificações autorizadas pelos CPCs 31 e 28;
  3. c) a afirmação de que não haveria prova da intenção da empresa de vender o imóvel desde o momento da sua constituição – requisito que, além de ser contraditório com o elencado na letra “a” acima, não consta de nenhum dos CPCs analisados.

No Acórdão 1402.003.859 (j. 16.04.2019), o Carf manteve autuação para a exigência de ganho de capital na venda, ocorrida em 2011, de um imóvel que integrou o ativo imobilizado da empresa entre 1978 e 2008 — quando a atividade imobiliária foi introduzida no objeto social desta, e aquele foi reclassificado para ativo circulante. O voto condutor baseia-se na inexistência de venda de outros imóveis (ver letra “b” supra), na falta de um plano de venda (ver letra “a” supra) e no transcurso de prazo superior a um ano entre a reclassificação e a venda (item 8 do CPC 31).

Em profundo voto vencido, o conselheiro Caio César Nader Quintella revela a aderência da reclassificação contábil à evolução dos negócios da empresa e anota que aquela não precisa ser precedida de um período de vacância do imóvel, podendo dar-se quando ele ainda está alugado/arrendado, desde que a intenção de venda seja nítida. Invoca ainda a Consulta Cosit 254/2014, onde consta que, “no processo de organização que abrange a inclusão das atividades imobiliárias relativas a loteamento de terrenos e compra e venda de imóveis próprios e de terceiros, a pessoa jurídica poderá definir quais bens integram o seu estoque para venda, tanto aqueles adquiridos com o propósito negocial de venda, quanto aos bens previamente integrantes de seu patrimônio, para os quais há decisão de redirecioná-­los ao comércio”.

Por fim, no Acórdão 1301.003.022 (j. 16.05.2018), o CARF afastou autuação que tributava como ganho de capital a venda de imóvel registrado desde a origem no ativo imobilizado e sequer foi reclassificado para estoque. Fê-lo por entender que – embora o bem tenha permanecido alugado até a venda, e o seu valor tenha sido depreciado (o que é incompatível com o tratamento dos estoques) -, a efetiva atuação da empresa no ramo imobiliário (compra, venda e locação de imóveis) prevalece sobre a escrituração contábil (substância sobre a forma).

A conclusão é de que o tema — tratado com a competência habitual por Carlos Augusto Daniel Neto e Caio César Nader Quintella neste artigo — merece maior atenção da doutrina e da jurisprudência, sobretudo considerando-se que não se localizou nenhum precedente específico nos TRFs e no STJ. A controvérsia anuncia-se longa.
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[1] ERNESTO RUBENS GELBCKE, ARIOVALDO DOS SANTOS, SÉRGIO DE IUDÍCIBUS, ELISEU MARTINS. Manual de Contabilidade Societária. 3 ed. FIPECAFI, GEN, ATLAS, 2018, p. 547-548.
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Por: Igor Mauler Santiago, sócio-fundador do Mauler Advogados, mestre e doutor em Direito Tributário pela Universidade Federal de Minas Gerais e membro da Comissão de Direito Tributário do Conselho Federal da OAB.

Fonte: Revista Consultor Jurídico.

 

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