Exclusão do valor da depreciação do imóvel no cômputo do ganho de capital por empresas do Lucro Presumido.
Muito se discute sobre os efeitos tributários e contábeis na alienação de imóveis por pessoas jurídicas optantes pelo regime do Lucro Presumido. Isso pois, a depender do tratamento dado à venda, a forma de tributação se altera.
Caso as transações imobiliárias constituam a atividade econômica da pessoa jurídica, a receita da venda do imóvel deverá ser considerada na apuração do lucro presumido. Ou seja, sobre a receita da venda aplicar-se-ão os percentuais de presunção do IRPJ e da CSLL, de 8% e 12%, respectivamente.
Após isso é que se calcula o valor dos tributos sob às alíquotas de 25% e 9%, respectivamente. Não se pode esquecer também da incidência do PIS/Pasep e COFINS, que, no regime cumulativo, será de 3% e 0,65%, respectivamente.
Considerando que o IRPJ e a CSLL incidem apenas sobre as parcelas de 8% e 12% da receita, respectivamente, e considerando as alíquotas do PIS/Pasep e COFINS, de 3% e 0,65%, a tributação total e efetiva dessa operação é de apenas 6,73%.
Por outro lado, caso a pessoa jurídica não se dedique a atividades imobiliárias ou caso o imóvel tenha sido registrado inicialmente no ativo não circulante da pessoa jurídica ainda que tenha sido reclassificado para o ativo circulante com a intenção de venda, a tributação deve ser feita sob a forma de apuração de ganho de capital. O entendimento da Receita Federal nesse sentido já está pacificado e expressado infralegalmente no artigo 215, §14, da Instrução Normativa RFB nº 1.700/17.
Mais recentemente esse entendimento da Receita Federal foi flexibilizado por meio da Solução de Consulta Cosit nº 7/2021 por meio da qual se passou a permitir que seja mantida a tributação pelo Lucro Presumido na operação de alienação de imóvel utilizado anteriormente para locação a terceiros, desde que essa atividade constitua objeto social da pessoa jurídica.
Ou seja, neste caso em específico, mesmo que o imóvel tenha sido classificado no ativo não circulante durante o período em que era locado a terceiros, a RFB autoriza a sua reclassificação para o ativo circulante e a tributação como receita operacional da empresa que atue no ramo imobiliário.
O foco aqui, contudo, é tratar justamente das operações em que o contribuinte deve apurar o ganho de capital, seja porque não exerce atividade imobiliária, seja porque o seu bem estava contabilizado no ativo não circulante da empresa.
Nesse caso, a Receita Federal determina, nos artigos 200, §1º, e 215, §14, da Instrução Normativa RFB nº 1.700/17, que o ganho de capital nada mais é que a diferença positiva entre o valor da alienação e o respectivo valor contábil, assim entendido o que estiver registrado na escrituração do contribuinte, diminuído, se for o caso, da depreciação, amortização ou exaustão acumulada e das perdas estimadas no valor de ativos.
Sobre o ganho de capital, apurado nos termos expostos acima, incidirá as alíquotas do IRPJ e CSLL de 25% e 9%, respectivamente, já que o ganho de capital não é incluído na base de presunção do Lucro Presumido, conforme previsão do art. 25 da Lei nº 9.430/96 e art. 595 do Decreto nº 9.580/18 (RIR/18).
É justamente por isso que muitas pessoas jurídicas optam por transferir contabilmente o imóvel de seu ativo não circulante para o ativo circulante, já que a tributação da venda do imóvel como receita operacional da empresa, sujeita aos percentuais de presunção do IRPJ e CSLL, é na maioria das vezes mais vantajosa do que a tributação como ganho de capital.
Pois bem, fato é que a previsão citada acima, que impõe a dedução da depreciação do imóvel no cálculo do ganho de capital, é s.m.j. extremamente prejudicial às empresas optantes do Lucro Presumido, uma vez que, diferentemente das pessoas jurídicas sujeitas ao Lucro Real, não podem deduzir as depreciações na apuração do IRPJ/CSLL, porém, por outro lado, devem considerá-las para determinar o ganho de capital na venda de bem de seu ativo não circulante.
Reconhecendo essa problemática, em recentíssimo acórdão, proferido em maio de 2021, a Câmara Superior do Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (CARF)[1], instância máxima do contencioso administrativo, autorizou que empresa do Lucro Presumido não descontasse a depreciação do valor contábil dos bens do ativo imobilizado que foram alienados[2].
De acordo com o entendimento consolidado no julgamento, considerando que a depreciação dos bens integrantes do ativo de pessoas jurídicas optantes pelo regime do lucro presumido não interfere de forma direta e específica na apuração da base de cálculo do IRPJ e da CSLL, não há fundamento para que possa interferir na apuração do ganho de capital tributável quando da alienação do bem.
Confira-se abaixo trecho do voto condutor do acórdão:
Assim, para a definição do conceito de valor contábil para fins de apuração do ganho de capital para as empresas optantes pelo regime do lucro presumido, é necessário levar em consideração a lógica dessa sistemática de tributação.
Pois bem. Os encargos de depreciação são despesas que só produzem efeito sobre o IRPJ e a CSLL quando apurados pelo lucro real, já que no lucro presumido não existe a apropriação de despesas específicas, não havendo assim espaço para despesas de depreciação.
Compreendo que tais circunstâncias são indicativos suficientes de que, para as empresas no lucro presumido, a depreciação acumulada não pode interferir no cálculo do valor tributável quando da apuração do ganho de capital — salvo se essa depreciação acumulada, no todo ou em parte, tiver sido deduzida do lucro tributável em períodos anteriores em que tal pessoa jurídica tiver sido tributada no regime de lucro real, neste caso por aplicação do racional previsto o art. 53 da Lei nº 9.430/1996, o que de qualquer forma não é o caso.
Assim, como bem observou o voto condutor do acórdão recorrido, se o contribuinte era tributado pelo lucro real e, em razão disso, apropriou ao resultado despesa de depreciação, o valor contábil a ser considerado é o que consta de sua escrituração até o momento imediatamente anterior ao da opção pela tributação com base no lucro presumido, isto é, o custo de aquisição diminuído da depreciação acumulada. Pelo contrário, se tais despesas de depreciação nunca interviram especificamente no cálculo dos tributos recolhidos pelo contribuinte – que é o caso dos autos -, não se pode pretender sua dedução por ocasião da alienação do bem, até porque isso acabaria por resultar em tributação de patrimônio e não de renda.
(…)
Neste sentido, considerando que a depreciação dos bens integrantes do ativo de pessoas jurídicas optantes pelo regime do lucro presumido não interfere de forma direta e específica na apuração da base de cálculo do IRPJ e da CSLL, compreendo que não há fundamento para que possa interferir na apuração do ganho de capital tributável quando da alienação do bem. (grifos nossos)
Vale dizer que, a Câmara Superior é o órgão responsável pela uniformização e pacificação do entendimento do CARF. Assim, embora não sejam vinculantes, as decisões proferidas pela Câmara Superior possuem bastante força jurisprudencial e costumam nortear as decisões proferidas pelas Turmas Ordinárias do CARF.
Assim, segundo imposição da Receita Federal, as empresas optantes do Lucro Presumido devem considerar o valor da depreciação no cálculo do ganho de capital na venda de imóveis, contudo, tal disposição se mostra onerosa demais, já que empresas optantes por esse regime não podem deduzir a depreciação acumulada na apuração do IRPJ/CSLL, ao contrário do que acontece com empresas do Lucro Real.
Portanto, embora a não inclusão da depreciação no cômputo do ganho de capital exponha a empresa ao risco de questionamentos por parte da Receita Federal, a matéria ganhou contornos favoráveis aos interesses dos contribuintes sujeitos ao Lucro Presumido, tendo em vista a recente decisão proferida pela Câmara Superior do CARF positiva à não inclusão da depreciação no cálculo do ganho de capital.
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[1] Acórdão nº 9101-005.436, Câmara Superior – 1ª Turma, sessão de 10 de maio de 2021
[2] Cita-se também, como decisões favoráveis a este entendimento: Acórdão nº 1302-000.551, 1ª Seção, 3ª Câmara, 2ª Turma Ordinária, sessão de 31/03/2011; e Acórdão 1301-003.022, 1ª Seção, 3ª Câmara, 1ª Turma Ordinária, sessão de 16/05/2018.
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Por: RODRIGO CARVALHO SAMUEL, Mestre em Direito Constitucional e Processual Tributário, PUC/SP. Especialização em Direito Tributário, COGEAE-PUC/SP. Bacharel em Direito, PUC/SP.
Fonte: JOTA.