O imposto sobre a circulação de mercadorias e sobre prestações de serviços de transporte interestadual e intermunicipal e de comunicação (ICMS) está previsto no artigo 155 da Constituição, sendo competência dos estados e do Distrito Federal instituí-lo.
Apesar de se tratar de imposto de competência estadual, observa-se que o ICMS tem características nacionais. Isso porque, a própria Carta Magna determinou que questões relevantes fossem tratadas mediante lei complementar. Além disso, para fins de instituição de benefícios fiscais é indispensável acordo entre os Estado mediante instituição de convênio.
A principal característica do imposto, sem dúvidas, refere-se ao fato de o imposto submeter-se ao Princípio da Não Cumulatividade que, em síntese, determina que o valor devido em cada operação relativa à circulação de mercadorias ou prestação de serviços será compensado com o montante cobrado nas operações anteriores.
Prevê ainda a Constituição que o ICMS deverá ser implementado por Lei Complementar que irá regular as disposições gerais do imposto. Em 1996, com a edição da Lei Complementar nº 87, a Lei Kandir, tem-se início aos debates sobre a tomada de crédito de ICMS. Como regra geral, a lei garante a ampla concessão de direito ao crédito de ICMS no que tange às operações de entrada de mercadorias no estabelecimento do contribuinte.
E, a fim de dar consecução ao texto constitucional, a Lei Kandir assegurou a possibilidade de o contribuinte creditar-se do ICMS anteriormente cobrado em operações de que tenha resultado a entrada de mercadoria no estabelecimento, inclusive aquela destinada à composição do ativo permanente. É o que dispõe o artigo 20 da Lei Kandir:
“Artigo 20. Para a compensação a que se refere o artigo anterior, é assegurado ao sujeito passivo o direito de creditar-se do imposto anteriormente cobrado em operações de que tenha resultado a entrada de mercadoria, real ou simbólica, no estabelecimento, inclusive a destinada ao seu uso ou consumo ou ao ativo permanente, ou o recebimento de serviços de transporte interestadual e intermunicipal ou de comunicação”.
O conceito de ativo imobilizado, no entanto, não está previsto na Lei Kandir. Este conceito ficou à cargo da Lei nº 6.404/76 (“Lei das S/A”) e do Comitê de Pronunciamentos Contábeis nº 27. Em síntese, o ativo imobilizado é constituído por bens necessários à exploração do objeto social da pessoa jurídica, ou seja, empregados no exercício das atividades fim da companhia. Essas atividades devem ser compreendidas como aquelas que estão ligadas intrinsecamente à cadeia produtiva do contribuinte.
Já o detalhamento sobre o creditamento de ICMS na hipótese de aquisição de bens/mercadorias destinados à composição do ativo imobilizado, está previsto no parágrafo quinto do artigo 20 da Lei Kandir:
“§5º Para efeito do disposto no caput deste artigo, relativamente aos créditos decorrentes de entrada de mercadorias no estabelecimento destinadas ao ativo permanente, deverá ser observado:
I – a apropriação será feita à razão de um quarenta e oito avos por mês, devendo a primeira fração ser apropriada no mês em que ocorrer a entrada no estabelecimento;
II – em cada período de apuração do imposto, não será admitido o creditamento de que trata o inciso I, em relação à proporção das operações de saídas ou prestações isentas ou não tributadas sobre o total das operações de saídas ou prestações efetuadas no mesmo período;
III – para aplicação do disposto nos incisos I e II deste parágrafo, o montante do crédito a ser apropriado será obtido multiplicando-se o valor total do respectivo crédito pelo fator igual a 1/48 (um quarenta e oito avos) da relação entre o valor das operações de saídas e prestações tributadas e o total das operações de saídas e prestações do período, equiparando-se às tributadas, para fins deste inciso, as saídas e prestações com destino ao exterior ou as saídas de papel destinado à impressão de livros, jornais e periódicos;
IV – o quociente de um quarenta e oito avos será proporcionalmente aumentado ou diminuído, pro rata die, caso o período de apuração seja superior ou inferior a um mês;
V – na hipótese de alienação dos bens do ativo permanente, antes de decorrido o prazo de quatro anos contado da data de sua aquisição, não será admitido, a partir da data da alienação, o creditamento de que trata este parágrafo em relação à fração que corresponderia ao restante do quadriênio;
VI – serão objeto de outro lançamento, além do lançamento em conjunto com os demais créditos, para efeito da compensação prevista neste artigo e no artigo 19, em livro próprio ou de outra forma que a legislação determinar, para aplicação do disposto nos incisos I a V deste parágrafo; e
VII – ao final do quadragésimo oitavo mês contado da data da entrada do bem no estabelecimento, o saldo remanescente do crédito será cancelado”.
Assim, firmando como premissa que o bem adquirido destina-se à composição do ativo imobilizado, conclui-se que para fins da tomada de crédito de ICMS há, apenas, duas regras que deverão ser respeitadas: 1) a apropriação do crédito será realizada à razão de um quarenta e oito avos por mês, devendo a primeira fração ser apropriada no mês em que ocorrer a entrada no estabelecimento; e 2) não será admitido o creditamento em relação à proporção das operações de saídas ou prestações isentas ou não tributadas sobre o total das operações de saídas ou prestações efetuadas no mesmo período.
Portanto, respeitadas tais regras é evidente que o contribuinte poderá tomar o crédito de ICMS na aquisição de mercadorias/bens destinados a composição do ativo imobilizado. Vale ressaltar que a jurisprudência pátria tem adotado entendimento nesse sentido, de que, desde que comprovado que os bens adquiridos são destinados à atividade-fim da empresa, é possível o creditamento de ICMS.
O problema, no entanto, consiste na tomada desse crédito na fase pré-operacional da empresa. As companhias, antes de iniciarem suas atividades, adquirem equipamentos que irão compor o seu ativo imobilizado, principalmente aquelas empresas que aplicam recursos de forma massiva em máquinas e equipamentos. Cuida-se da fase de investimento, na qual a companhia investe um grande capital, sem que possa operar (ou seja, não há saídas tributadas no período).
Os fiscos estaduais, por sua vez, vêm sistematicamente vedando a tomada desse crédito, promovendo a lavratura de autos de infração para promover a cobrança do crédito supostamente tomado de forma indevida. Para a fiscalização, como não há saída tributada no período, não seria possível a tomada do crédito de ICMS.
O entendimento adotado pelos fiscos, no entanto, não encontra guarida na legislação que rege a matéria. A Lei Kandir expressamente possibilitou que as companhias tomassem o crédito de ICMS quando da aquisição dos bens destinado ao ativo imobilizado. E, desde que comprovado que as mercadorias foram utilizadas na composição do ativo imobilizado, é necessário respeitar tão somente as seguintes diretrizes: 1) a apropriação do crédito será feita à razão de 1/48 por mês; 2) a primeira fração deverá ser apropriada no mês em que ocorrer a entrada no estabelecimento; e 3) não será admitido o creditamento em relação à proporção das operações de saídas isentas ou não tributadas.
Ou seja, não há qualquer vedação sobre a tomada do crédito de ICMS na fase pré-operacional da companhia. A Lei Kandir não veda a apropriação de créditos na fase pré-operacional da empresa (fase esta em que não há qualquer tipo de saída). Assim sendo, o fato de existir (ou não) saídas no período pouco importa para a apropriação do crédito. Se foram observados os requisitos estipulados no §5º do artigo 20 da Lei Complementar nº 87/96, não há que se falar na impossibilidade da tomada do crédito.
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Por: Ivy Bergami Goulart Barbosa, advogado.
Fonte: Revista Consultor Jurídico.