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A INAPLICABILIDADE DO PRAZO DE DECADÊNCIA DE 5 ANOS AO ITCMD

Os brasileiros bem sabem que, caso ocorra alguma doação ou alguém na família venha a falecer, haverá o dever de pagar o Imposto sobre Transmissões Causa Mortis e Doações (ITCMD).
Mesmo cientes dessa obrigação, é comum que o pagamento do tributo seja postergado por meses ou, até mesmo, por anos. Os motivos que levam a esse adiamento são dos mais diversos: alto custo do tributo, desavenças familiares, falta de liquidez dos bens, entre outros.
Mas chega um dado momento em que os herdeiros ou os beneficiários da doação enxergam a necessidade de regularizar a situação do patrimônio recebido, como, por exemplo, para se realizar a venda a terceiros.
É nesse momento que surge a seguinte pergunta: continua sendo necessário pagar o ITCMD, mesmo que já tenham se passado anos (5, 10, 15…) da doação ou do falecimento?
A resposta a essa questão passa pelo julgamento firmado pelo Superior Tribunal de Justiça no Tema nº 1.048 (REsp nº 1841798/MG e REsp 18411771/MG), julgado no dia 28/07/2021, no qual se firmou a seguinte tese vinculante em recurso repetitivo:
“O Imposto de Transmissão Causa Mortis e Doação – ITCDM, referente a doação não oportunamente declarada pelo contribuinte ao fisco estadual, a contagem do prazo decadencial tem início no primeiro dia do exercício seguinte àquele em que o lançamento poderia ter sido efetuado, observado o fato gerador, em conformidade com os arts. 144 e 173, I, ambos do CTN”.
Convém esmiuçar essa tese, pois, como se verá adiante, a sua consequência lógica foi a inaplicabilidade do prazo decadencial a boa parte dos fatos geradores de ITCMD.
Como se sabe, a Fazenda Pública dispõe do prazo de 5 anos para lançar o imposto, caso este não tenha sido declarado pelo contribuinte (art. 173, I do Código Tributário Nacional). A contagem desse prazo, segundo a tese firmada no Tema nº 1.048, tem início no “primeiro dia do exercício seguinte àquele em que o lançamento poderia ter sido efetuado, observado o fato gerador. Ou seja: uma vez praticado o fato gerador, o início do prazo se dará no dia 01 de janeiro do ano (exercício) seguinte ao de sua ocorrência (do fato gerador).
Eis que surge dessa premissa uma outra pergunta: quando é que se considera ocorrido o “fato gerador”? Seria a partir da data de falecimento? Ou, em caso de doação, seria a partir da data em que houve a entrega do bem ao beneficiário?
Também no Tema nº 1.048, decidiu o Superior Tribunal de Justiça que, em se tratando de doação de imóveis, o fato gerador ocorrerá na data em que houver o registro da transmissão no cartório de registro de imóveis, tendo em vista o que dispõe o artigo 1.245 do Código Civil.
Por outro lado, caso se trate de doação de bens móveis (dinheiro, carro, quotas etc.), o fato gerador ocorrerá na data em que houver a entrega do bem ao beneficiário, com o respectivo registro administrativo, se necessário (Detran, Junta Comercial etc.), tendo em vista o que dispõe o artigo 1.267 do Código Civil.
Por último, com relação às heranças, a ocorrência de seu fato gerador não foi objeto do Tema nº 1.048 do STJ. Contudo, existem inúmeros precedentes do Superior Tribunal de Justiça no sentido de que, em se tratando de ITCMD incidente sobre herança, o fato gerador considera-se ocorrido somente na data em que transitar em julgado a sentença que homologa a partilha. Citem-se, como exemplo, os seguintes precedentes sobre o tema: AREsp 1735947/RS, 2ª turma, j. 19/04/20121; AREsp 1273589/PR, 1ª turma, j. 05/05/2021; AREsp 1621841/RS, 2ª turma, j. 24/08/2020.
A partir das premissas construídas até o momento, é possível antecipar o raciocínio de que, com relação aos imóveis e aos bens móveis sujeitos a registro que tenham sido recebidos via doação ou herança, a conclusão a que se chega é a de que o prazo de decadência para o lançamento do ITCMD jamais terá início.
Afinal, com relação às doações, sabe-se que os cartórios e os demais órgãos de registro condicionam o registro da transmissão ao pagamento do ITCMD. De igual modo, com relação às heranças, sabe-se que o Poder Judiciário e os cartórios condicionam a homologação da partilha ou a lavratura da escritura de inventário extrajudicial ao pagamento do ITCMD – salvo se o inventário tramitar judicialmente pelo rito do arrolamento sumário (art. 659 do CPC) ou do arrolamento comum (art. 664 do CPC), nos quais a homologação pode se dar antes do pagamento do ITCMD.
Logo, se é certo que o prazo decadencial de cinco anos para lançamento do imposto somente terá início a partir do registro da doação ou da sentença que homologar a partilha, a conclusão lógica a que se chega é a de que a contagem do prazo de decadência não terá início, pois, antes do registro da doação ou de homologada a partilha, terá sido exigido o pagamento do imposto pelo cartório, pelos demais órgãos de registro ou pelo Poder Judiciário.
Essa inaplicabilidade é mitigada somente com relação aos bens doados que não sejam sujeitos a registro (dinheiro, joiás, obras de arte etc.), uma vez que a data em que houver a formalização e a efetiva entrega de tais bens será considerada como fato gerador apto a dar início à contagem do prazo decadencial de 5 anos, independentemente de ciência da Fazenda Pública – conforme assentado também no Tema nº 1.048 pelo STJ.
Em conclusão, o que se constata é que a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, aliada às legislações estaduais e às normas contidas no Código de Processo Civil, traçaram um cenário em que o prazo de decadência para lançamento do ITCMD tornou-se pragmaticamente inaplicável quanto aos bens recebidos em herança ou aos recebidos em doação que sejam sujeitos a registro.
Isso significa que, ainda que tenham se passado anos (5, 10, 15…) da ocorrência do falecimento ou da doação, poderá o ITCMD ser cobrado pela Fazenda Estadual quando o contribuinte pretender registrar a transmissão de tais bens.
Tendo em mente essa inaplicabilidade lógica do prazo de decadência para o lançamento do ITCMD, é prudente que os contribuintes não adiem a regularização das doações ou dos inventários, uma vez que o valor do ITCMD tenderá a encarecer drasticamente com o passar dos anos, pelas mais diversas razões: a majoração das alíquotas pelos Estados, a valorização do patrimônio doado ou herdado, a incidência de juros, correção monetária e multas, entre outros fatores.
Existem mecanismos nas legislações estaduais que permitem que a apuração e o recolhimento do ITCMD ocorram de maneira mais amena para o contribuinte (parcelamentos, descontos etc.), os quais devem ser cuidadosamente escolhidos segundo as particularidades de cada caso concreto, a fim de se evitar que o pagamento do tributo conduza à dilapidação do patrimônio herdado ou recebido em doação.
Por: Fernando Ribeiro Alves, advogado, pós-graduado em Direito Tributário pelo IBET, sócio do escritório GMPR Advogados.
Fonte: Rota Jurídica.
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