A 2ª Turma do Tribunal Regional do Trabalho da 4ª Região (RS) confirmou a existência de vínculo de emprego entre uma empresa de cosméticos e produtos de higiene e uma consultora líder de negócios. Os magistrados destacaram que, atualmente, a subordinação jurídica é entendida não apenas como resultado do exercício do poder diretivo pelo empregador, podendo ser analisada a partir do enfoque objetivo. Em outras palavras: não há necessidade de o trabalhador receber ordens diretas do empregador, a conhecida subordinação subjetiva; basta que a atividade esteja diretamente ligada aos interesses econômicos da empresa, à efetivação do seu objeto social e à sua atividade-fim, o que configura a subordinação objetiva.
A decisão unânime dos desembargadores confirmou a sentença do juiz Paulo Roberto Dornelles Júnior, da 1ª Vara do Trabalho de Santa Rosa. Foi determinada a anotação da CTPS da empregada entre novembro de 2009 a fevereiro de 2021, com salário de R$ 2,5 mil. Além do aviso prévio indenizado, a empresa deverá pagar 13º salário e férias e um terço do período não prescrito. Também são devidos os depósitos a título de FGTS e multa pelo pagamento das verbas rescisórias fora do prazo legal.
Orientação a outras consultoras, acompanhamento da evolução dos pedidos e ações para melhorar resultados de vendas foram algumas das atividades realizadas pela trabalhadora. Quando iniciou na função de consultora orientadora, coordenava 99 vendedoras; ao sair, o grupo era composto por 343 integrantes. Uma das tarefas era a de cooptar outras vendedoras. A cada ciclo de 21 dias, cinco novas consultoras deveriam ser incluídas, sob pena de haver redução na remuneração. A empregada ainda afirmou que atendia a todas as consultoras diariamente, sem restrições de horários, pelo Whatsapp. Deveria comparecer em reuniões periódicas e se mantinha à disposição para resolver problemas mesmo nas férias.
Foi juntado ao processo um contrato que exigia a pessoalidade na prestação do serviço. Posteriormente, a exigência foi retirada, mas a substituição por terceiros não ocorreu. Ainda foi constatada a constituição de pessoa jurídica na qual a atividade principal era o “marketing direto”. O contrato foi rescindido após seis meses, com a renúncia da trabalhadora ao recebimento de indenização.
Posteriormente, foi firmado outro contrato, de parceria comercial mútua, com estabelecimento das tarefas a serem realizadas e prazos para pagamento. O documento ainda continha determinações quanto às condutas vedadas à trabalhadora, como desrespeito a questões ambientais, de biodiversidade, trabalho infantil, forçado ou análogo à escravidão. As expectativas sobre o trabalho estavam definidas como metas que deveriam ser cumpridas, sob pena de rescisão do contrato.
Em defesa, a empresa argumentou que a consultora realizava o trabalho sem cumprimento de ordens, horários, metas ou obrigação de comparecimento a reuniões. Alegou, ainda, que a trabalhadora poderia contar com auxílio de terceiros e se fazer substituir sem ingerência da empresa.
O juiz de primeira instância destacou que o reconhecimento do vínculo de emprego exige prestação de serviços com os requisitos da onerosidade, pessoalidade, não eventualidade e subordinação jurídica. Ele salientou que a prestação de serviços deve ser provada pela trabalhadora e, uma vez que esta é comprovada, a empregadora deve comprovar a inexistência dos requisitos da relação de emprego.
Com base nas provas orais e documentais, o magistrado concluiu que a empresa não demonstrou a alegada relação autônoma de trabalho. “A relativa autonomia existente na relação é compatível com a natureza remota do trabalho, o que não desnatura a existência de vínculo de emprego. Havia exercício de comando, controle e supervisão do trabalho prestado pessoalmente, retribuído mediante remuneração periódica e variável”, afirmou o juiz Paulo Roberto.
A empresa recorreu ao TRT-4 para reformar a sentença. Os desembargadores, no entanto, consideraram presentes a totalidade dos requisitos estabelecidos em lei para a declaração do vínculo de emprego. O relator do Acórdão, desembargador Alexandre Corrêa da Cruz, evidenciou que a prova oral foi suficiente para comprovar que o trabalho foi prestado de forma subordinada, sujeito ao atingimento de metas e com subordinação objetiva.
“A subordinação objetiva decorre do fato de a função exercida estar diretamente ligada aos interesses econômicos da reclamada, ou seja, à efetivação do seu objeto social e à sua atividade-fim. Em outros termos, a subordinação se manifesta pela inserção da trabalhadora na dinâmica da tomadora de seus serviços, independentemente de receber ou não ordens diretas da contratante”, explicou o desembargador Alexandre.
Participaram do julgamento os desembargadores Carlos Alberto May e Marçal Henri dos Santos Figueiredo. A empresa interpôs recurso de revista contra a decisão.