JUSTIÇA RECONHECE VÍNCULO DE EMPREGO ENTRE ENTREGADOR E OPERADORA LOGÍSTICA DA IFOOD

 

Decisão negou, no entanto, a responsabilidade do aplicativo pelas verbas trabalhistas devidas ao motoboy.

A Justiça do Trabalho reconheceu o vínculo de emprego pedido por um motoboy que atuou como entregador da SIS Moto Expressa, empresa que funciona como Operadora de Logística (OL) da IFood.

Em sua defesa, a empresa, que organiza a prestação de serviço para o aplicativo, alegou que o motoboy lhe prestou serviço de março a novembro de 2020 na condição de trabalhador autônomo.

Ao analisar o caso, o juiz Aguinaldo Locatelli, da 2ª Vara do Trabalho de Cuiabá, destacou o fato da questão envolver novas formas de organização do trabalho. “Isso porque os tradicionais elementos da relação de emprego são desafiados pela ingerência tecnológica e ausência de regulamento específico para essa nova classe de trabalhadores que se constituíram com a modernidade, ou a denominada ‘Indústria 4.0’”, esclareceu.

O magistrado apontou que a situação tem gerado divergências nas decisões dos tribunais regionais e do Tribunal Superior do Trabalho, que ora reconhecem o vínculo de emprego, ora o trabalho autônomo, discutindo-se também a terceirização e a responsabilidade jurídica das demais empresas envolvidas.

Aguinaldo Locatelli registrou ainda que, diante da complexa relação de trabalho instrumentalizada pelas plataformas digitais, é preciso analisar as questões com base nos princípios fundamentais da dignidade da pessoa humana, bem como da livre iniciativa, “de forma a garantir o mínimo existencial, resolvendo as antinomias com a aplicação do princípio da proporcionalidade”.

De início, o magistrado ressaltou a previsão inserida em 2011 na CLT, pela Lei 12.551, que regula o trabalho a distância, a qual prevê que os meios telemáticos e informatizados de comando, controle e supervisão se equiparam, para fins de subordinação jurídica, aos meios pessoais e diretos de comando, controle e supervisão do trabalho.

Com base na norma, registrou seu entendimento de que é possível reconhecer a subordinação “por algoritmo ou virtual”, que resultam dessas novas relações operacionalizada pelas novas tecnologias. Exatamente como se deu no caso deste motoboy, avaliou o magistrado.

Levando em conta os depoimentos em audiência, o juiz concluiu que o trabalhador não tinha autonomia na execução do serviço. Ficou comprovado que após se logar no aplicativo, o entregador não podia rejeitar as chamadas, nem sair do sistema (ficar off line), devendo cumprir integralmente o turno de trabalho. Ele também não podia trabalhar com outros aplicativos de entrega e, caso descumprisse essas regras, sofria penalidades, com afastamento por dois dias, sem poder trabalhar.

Outra evidência da subordinação, acrescentou o juiz, ocorreu quando o motoboy tentou se desligar da OL, para atuar diretamente para a IFood, e ficou suspenso por 90 dias sem exercer atividade, já que a empresa Sis Moto Expressa não liberou seu cadastro. “Ou seja, se o empregado não tem a liberdade de escolha para quem exercer sua atividade, não há que se falar em autonomia do trabalhador”, frisou.

Do mesmo modo, julgou presente no caso os demais requisitos exigidos em uma relação de emprego. Caso da pessoalidade, quando a presença do empregado é indispensável para a execução do serviço. Tanto a testemunha indicada pelo trabalhador quanto a da OL confirmaram que o motoboy não poderia colocar outra pessoa para realizar o serviço de entrega com uso de sua conta pessoal.

Também ficou demonstrado que, uma vez feito o login no sistema eletrônico, o empregado era obrigado a permanecer durante todo o turno de trabalho, sob consequência de ser penalizado pela OL, confirmando, o trabalho não eventual.

Quanto à onerosidade, outro elemento essencial no contrato de trabalho, o representante da empresa confirmou o pagamento pelos serviços do motoboy e que os entregadores possuíam um valor base de recebimento por turno trabalhado, paga pela disponibilidade do entregador ainda que não houvesse pedidos a serem entregues, verba chamada de “garantido”.

Por fim, sem que a OL comprovasse a alegação de que o entregador atuava como trabalhador autônomo, sendo apenas um prestador de serviço, e, com base no princípio da primazia da realidade sobre a forma, o magistrado concluiu que o motoboy era um empregado.

Com isso, o juiz reconheceu o vínculo de emprego extinto a pedido do entregador, conforme confessado pelo trabalhador, e determinou o pagamento de verbas como 13º salário e férias proporcionais ao período trabalhado, além de FGTS e multa por atraso na quitação das verbas rescisórias. Também deferiu pagamento de 30% do valor do salário, a título de adicional de periculosidade pelo uso de motocicleta na prestação de serviço, conforme prevê a legislação.

Responsabilidade da Ifood

O juiz negou, no entanto, o reconhecimento da responsabilidade subsidiária da Ifood pelas verbas trabalhistas, como queria o motoboy.

Conforme avaliou o magistrado, a Ifood, como gerenciadora do aplicativo, funciona apenas como intermediadora, conectando por meio de plataforma digital, o consumidor com os restaurantes catalogados e ligando o restaurante com o entregador. “A relação se amplia ao contratar uma empresa especializada prestadora de serviço de entrega, como é o caso da primeira ré, que passa a ser responsável pela seleção de entregadores para realizar a atividade em determinados turnos, sem interferência da empresa gerenciadora do aplicativo”, esclareceu.

Assim, concluiu que no caso não ficou demonstrado os benefícios obtidos pela Ifood ou qualquer ingerência e controle do empregado pela gerenciadora do aplicativo.

Confira a decisão (PJe 0000846-49.2020.5.23.0002).

Fonte: Tribunal Regional do Trabalho da 23ª Região (TRT/MT).