DIFERENCIAL DE ALÍQUOTA NAS OPERAÇÕES DESTINADAS A EMPRESAS DE CONSTRUÇÃO CIVIL

 

Autos de infração sobre fatos ocorridos antes da Emenda Constitucional 87/2015.

Introdução

Ainda existe celeuma no Tribunal de Impostos e Taxas da Secretaria da Fazenda do Estado de São Paulo – TIT acerca de autos de infração e imposição de multa – AIIM que exigem a diferença de alíquota, também conhecida como DIFAL, nas operações interestaduais de remessas de mercadorias para empresas de construção civil situadas em outras Unidades da Federação.

A discussão já é antiga, anterior à Emenda Constitucional nº. 87/21015. A redação original da Constituição de Federal de 1.988, previa em seu art. 155, § 2º, inc. VII, alíneas “a” e “b”, que o ICMS nas operações interestaduais seria recolhido pela aplicação da alíquota interestadual quando o destinatário fosse contribuinte do imposto e pela alíquota interna quando o destinatário não fosse contribuinte.

Apesar da diferença entre a alíquota interna e a interestadual nas operações com não contribuintes situados em outra Unidade da Federação ser devida ao Estado do destinatário, e apesar da falta de legislação complementar disciplinando tais hipóteses do ICMS, o Estado de São Paulo autua os contribuintes paulistas que realizam operações mercantis com não contribuintes situados em outro Estado, exigindo o diferencial entre a alíquota interna e a interestadual.

No caso das operações com empresas do segmento da construção civil, o Superior Tribunal de Justiça, com base em precedentes do Supremo Tribunal Federal pacificou a tese, em sede de repercussão geral, que não pode o Estado exigir a diferença entre a alíquota interna e a interestadual, conforme se pode observar na ementa abaixo transcrita:

PROCESSO CIVIL. RECURSO ESPECIAL REPRESENTATIVO DE CONTROVÉRSIA. ARTIGO 543-C, DO CPC. TRIBUTÁRIO. ICMS. DIFERENCIAL DE ALÍQUOTAS. EMPRESAS DE CONSTRUÇÃO CIVIL. MERCADORIAS ADQUIRIDAS PARA UTILIZAÇÃO NAS OBRAS CONTRATADAS. OPERAÇÕES INTERESTADUAIS. NÃO INCIDÊNCIA.

1. As empresas de construção civil (em regra, contribuintes do ISS), ao adquirirem, em outros Estados, materiais a serem empregados como insumos nas obras que executam, não podem ser compelidas ao recolhimento de diferencial de alíquota de ICMS cobrada pelo Estado destinatário (…)

2. É que as empresas de construção civil, quando adquirem bens necessários ao desenvolvimento de sua atividade-fim, não são contribuintes do ICMS. Consequentemente, “há de se qualificar a construção civil como atividade de pertinência exclusiva a serviços, pelo que ‘as pessoas (naturais ou jurídicas) que promoverem a sua execução sujeitar-se-ão exclusivamente à incidência de ISS, em razão de que quaisquer bens necessários a essa atividade (como máquinas, equipamentos, ativo fixo, materiais, peças, etc.) não devem ser tipificados como mercadorias sujeitas a tributo estadual’ (José Eduardo Soares de Melo, in ‘Construção Civil – ISS ou ICMS?’, in RDT 69, pg. 253, Malheiros).” (EREsp 149.946/MS).

3. Recurso especial desprovido. Acórdão submetido ao regime do artigo 543-C, do CPC, e da Resolução STJ 08/2008. (REsp nº 1.135.489-AL. STJ – 1ª Seção – Rel. Min. Luiz Fux – v.u. – julg. 09.12.2009)

Posteriormente, foi promulgada a EC nº 87/2015, que deu nova redação ao inciso VII do § 2º do art. 155 da Constituição Federal, estabelecendo que “nas operações e prestações que destinem bens e serviços a consumidor final, contribuinte ou não do imposto, localizado em outro Estado, adotar-se-á a alíquota interestadual e caberá ao Estado de localização do destinatário o imposto correspondente à diferença entre a alíquota interna do Estado destinatário e a alíquota interestadual”.

A EC nº 87/2015 também alterou a redação do inciso VIII do § 2º do artigo em comento, estabelecendo que o responsável pelo recolhimento do diferencial de alíquota do ICMS será o destinatário, quando este for contribuinte do imposto, ou o remetente, quando o destinatário não for contribuinte do imposto.

A norma constitucional aclarou que somente incide o DIFAL do ICMS se a mercadoria ou a prestação de serviço não seguirem na cadeia produtiva, encerrando-se o ciclo no adquirente da mercadoria situado em outra Unidade da Federação.

Da posição do Tribunal de Impostos e Taxas

O Tribunal de Impostos e Taxas – TIT, ao julgar autuações que exigiam a diferença da alíquota do ICMS nas vendas de mercadorias para empresas da construção civil ocorridas antes da EC nº 87/2015 não se detinha a questões como a competência do Estado de São Paulo, a falta de previsão da exigência em lei complementar e os entendimentos pacificados pelo Supremo Tribunal Federal e pelo Superior Tribunal de Justiça.

O art. 56-A do RICMS/00, revogado pelo Decreto nº 61.744/2015, dispunha que “na operação que destine mercadorias a empresa da construção civil localizada em outra unidade da Federação, deverá ser aplicada a alíquota interna”.

Tal disposição tinha fundamento no § 3º do art. 34 da Lei nº 6.374/89 que estabelecia que “aplicam-se as alíquotas internas às operações ou às prestações que destinem mercadorias ou serviços a pessoa não contribuinte localizada em outro Estado ou no Distrito Federal”.

Esse entendimento pode ser observado nos julgamentos dos Recursos Ordinários nº DRTCI-4074155-2/2016, DRTCI-413.893/2011, DRTC II- 4061741-5/2015 DRTC III 4081025-2/2016, DRTC III-4101051-1/2017 e DRT-03-274655/2010, todos proferidos pelas Câmaras Julgadoras e julgamento no Recurso Especial DRT-03-9054306/2002, proferido pela Câmara Superior.

Interessante trazer à baila o entendimento proferido pela Câmara Superior no julgamento do Recurso Especial nº DRT-04-508808/2001, que utilizou o entendimento do Superior Tribunal de Justiça para justificar a autuação, “in verbis”:

“ICMS. FALTA DE PAGAMENTO DO IMPOSTO POR EMISSÃO DE DOCUMENTO FISCAL COM ERRO NA DETERMINAÇÃO DA ALÍQUOTA; FALTA DE ESCRITURAÇÃO DE DOCUMENTO FISCAL (OPERAÇÃO TRIBUTADA). Se o próprio STJ analisando o tema concluiu que as empresas de construção civil não podem ser obrigadas ao recolhimento diferencial de alíquota, portanto não são contribuintes, por óbvio deve o Estado remetente exigir a aplicação da alíquota interna – 18% (dezoito por cento). Recurso Conhecido e desprovido mantida a decisão recorrida, por seus próprios jurídicos fundamentos, incluindo a parte remanescente do item 4 não questionada pelo ora recorrente. RECURSO CONHECIDO. NEGADO PROVIMENTO. DECISÃO NÃO UNÂNIME.”

Interessante que o Superior Tribunal de Justiça fixou o entendimento de que não incide o diferencial entre a alíquota interna e a interestadual em operações praticadas por empresas de construção civil, que, sendo prestadoras exclusivas de serviços, estão unicamente sujeitas à incidência do ISS. Por isso, os bens adquiridos para utilização em suas atividades não podem ser tipificados como mercadorias sujeitas à tributação do ICMS. Não se discutiu qual o Estado tinha legitimidade para exigir o diferencial de alíquotas, se o Estado de destino ou se o Estado remetente da mercadoria.

A única possibilidade que se tem notícia de cancelamento dessas autuações pelo TIT é na hipótese em que a construtora realiza outras operações sujeitas à tributação do ICMS, conforme analisado no artigo “Observatório do TIT: alíquota aplicada em operações interestaduais“, de autoria de Sulamita Szpczkowski Alayon e Michele Markus.

Por: ANDRÉ FELIX RICOTTA DE OLIVEIRA, Advogado. Doutor, Mestre e Especialista em Direito Tributário pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP); Master of Business Administration (MBA) em Direito Empresarial pela Fundação Getúlio Vargas – FGV-RJ; ex-Juiz Contribuinte do Tribunal de Impostos e Taxas da Secretaria da Fazenda do Estado de São Paulo; Coordenador do IBET de São José dos Campos, Coordenador do Curso de Tributação sobre o Consumo do IBET. Professor do curso de Pós-graduação em Direito Tributário do IBET e outras instituições; Presidente da Comissão de Direito Tributário e Constitucional da OAB-Pinheiros; Coordenador da ESA da OAB-Pinheiros.

Fonte: JOTA.